Dia 25 de junho foi o Dia do Imigrante. Eu me tornei imigrante acidentalmente quando decidi não regressar ao Brasil depois de estar aqui por um tempo. Na verdade, ao invés de imigrante eu me tornei cidadã do mundo.
Morar fora para mim tem sido uma experiência transformadora. Sempre fui uma pessoa muita aberta e interessada em outras línguas e culturas. Sempre gostei de conhecer “estrangeiros” e aprender sobre terras longínquas.
Eu nunca tinha me imaginado na Terra do Uncle Sam, mas o coração é cheio de surpresas. Primeiro, eu descobri que os Estados Unidos é muito mais que política externa, capitalismo ou a ignorância de alguns políticos. Passei a ser mais cautelosa e a evitar generalizações, pois não se pode julgar alguém pelo país onde nasceu ou pelo passaporte. Aprendi também que muitas vezes é possível ter mais em comum com alguém de outro país que com os meus conterrâneos. Compartilhar do mesmo idioma e passaporte não garante nada, muito pelo contrário. Eu acho nacionalismo perigoso e para mim cada vez mais irrelevante. Não estou aqui me referindo ao carinho e ao apego às raízes culturais.
A minha jornada é um caminho sem volta. Quando fui ao show de Ojos de Brujo e Carlinhos Brown outro dia, eu notei que muitos brasileiros não deram a mínima para a banda espanhola e receberam Carlinhos com um fervor quase patriótico. O rapper da banda espanhola agradeceu a platéia em inglês, espanhól e português. Eu achei o gesto carinhoso.
É uma pena como as pessoas se fecham e se limitam à sua cultura de origem. Elas não se dão conta do quanto estão perdendo. Eu conheço brasileir@s que vivem aqui como se estivessem vivendo no Brasil. Alguns já estão aqui há bastante tempo, mas não falam nada de inglês. Eles só se associam com outros brasileiros, comem as mesmas comidas que comiam no Brasil e trabalham com outros brasileiros. Esse tipo de isolamento cultural acaba por gerar intrigas e facilitar a exploração entre os membros da própria comunidade. Eu sempre acabo me sentindo estrangeira nesse tipo de ambiente.
Muitas pessoas sabem que há aulas de inglês à noite e de graça. É verdade que muitas delas trabalham muito tentando juntar dinheiro para mandar para a família no Brasil ou para economizar na esperança de regressar ao Brasil. Mas, ao mesmo tempo, é quase como se aprender o idioma e se aventurar fora da comunidade significasse a derrota frente à cultura dominante, a assimilação, o abandono do país de origem. É admitir a condição de imigrante.
Na minha opinião, o mínimo que se pode fazer quando se decide morar no exterior é aprender o idioma e conhecer um pouco da cultura local. Na verdade, no caso da área de San Francisco são muitas as culturas diferentes.
Infelizmente, a tendência de muitos brasileiros é de não se associar nem mesmo com os outros Latinos por preconceito, ignorância ou sentimento de superioridade em relação ao Brasil. É lamentável porque a imigração de brasileiros para os Estados Unidos, especialmente na costa oeste, é bem mais recente que a de outros grupos como os mexicanos e centro americanos, por exemplo. A meu ver, a comunidade brasileira só tem a ganhar em estabelecer uma aliança com a comunidade latina que já está mais estabelecida nesse país.
Na minha opinião, para brasileiros morando nos Estados Unidos se identificar como brasileiros e latinos, é uma questão política não só por se tratar de um gesto solidário com outros imigrantes latinos, mas para o próprio benefício dos imigrantes brasileiros. Dessa forma os brasileiros poderiam se beneficiar da experiência desses outros grupos e obter maior poder de barganha.
“Latin@” é um conceito que só faz sentido no contexto das relações raciais e de etnia nos Estados Unidos. Nesse contexto, latin@ significa vindo de um país da América Latina. O Brasil fica na América Latina, portanto somos latinos. Eu também prefiro o termo latin@ ao invés de hispânico por considerá-lo mais adequado. É também o termo mais utilizado em círculos mais progressistas.
Finalmente, no processo de me tornar imigrante/cidadã do mundo eu descobri que sou mais como uma cebola, com camadas e camadas de identidades. Mas o miolo da cebola é um miolo como qualquer outro miolo vindo de qualquer parte desse planeta.
Foto: Berkeley Marina, acidente fotográfico. ;-)
Atualização:
A Alexandra escreveu (em inglês) um post excelente sobre a sua experiência morando no Canadá e a Cris escreveu um post brilhante sobre o conceito de nação.