Thursday, June 29, 2006

Deepa Mehta: uma mulher de coragem

Na semana passada eu vi um filme indiano que me tocou profundamente: Water. O filme lida com a situação das viúvas na Índia, com o poder da religião e tradição, e com os eventos históricos do movimento anti-colonialista e pacifista de Mahtma Ghandi. Denise Arcoverde do Síndrome de Estocolmo, http://www.sindromedeestocolmo.com/, escreveu um post excelente sobre o filme.

No filme, uma menina de oito anos é rejeitada pela própria família e é condenada a passar o resto da vida numa “casa de viúvas” após a morte do marido, que já era velho na época do casamento arranjado pelos pais. Eu chorei pensando na minha filha que tem quase a mesma idade, na inocência roubada dessas meninas, na vida roubada dessas mulheres que vivem como já estivessem mortas.

Pensei também no perigo dos dogmas, do fanatismo religioso e na conexão entre religião, política e fatores econômicos. Em determinado momento, uma das viúvas pergunta a si mesma e ao jovem idealista discípulo de Ghandi, o por quê das viúvas terem de viver esse tipo de vida. Ele responde que a razão é puramente econômica para as famílias que rejeitam as viúvas: uma boca a menos para comer, um sari a menos para comprar, uma cama vaga, e assim vai. Mas isso tudo é inserido de tal forma na religião que ninguém contesta e mesmo as próprias mulheres se sentem na obrigação de seguir a tradição.

Em outro momento, a mesma viúvia indaga ao seu guru: “o que fazer quando a sua consciência vai contra a sua religião?” O filme lida também com o dilemma da condição humana, de como as mulheres internalizam a sua própria opressão e assim perpetuam a sua situção. Uma das mulheres, a única permitida a usar o cabelo longo, é prostituída pela líder da casa. Ao mesmo que é ela que sustenta a casa, as outras a rejeitam por não ser casta, embora esta não tenha sido a sua escolha.

O que eu achei interessante também foi a história de como o filme foi feito. Water ia ser filmado inicialmente na cidade de Benares, na Índia, mas teve de ser interrompido quando 2000 fundamentalistas hindus invadiram o local de filmagem e atearam fogo no cenários. A diretora Deepa Mehta e as atrizes Shabana Azmi e Nandita Das foram ameaçadas de morte e o projeto ficou engavetado por cinco anos. Os responsáveis pelo atentado foram os membros do Shiv Sena, um dos grupos fundamentalistas hindus de direita mais poderosos. O mesmo grupo estava involvido nos ataques a muçulmanos em 1992, no qual 1.200 pessoas morreram na cidade de Bombay.

Após cinco anos Deepa Mehta retomou a filmagem, mas desta vez em Sri Lanka. A menina de oito que faz um dos papéis principais veio de um vilarejo e não falava nem hindi nem inglês. Ela teve de aprender todas as falas foneticamente. O filme também reconectou Deepa Mehta com a sua filha, cuja relação havia sido abalada por um divórcio litigioso. A filha, Devyani Saltzman, que foi encarregada de fotografar e documentar a filmagem escreveu um livro descrevendo esse processo. Water foi banido na Índia.

Enfim, o filme é intenso, lírico, belíssimo. Se tiver a oportunidade não perca.



Monday, June 26, 2006

Gay and Lesbian Pride Parade and Dyke March
San Francisco, June 2006

Desfile de Orgulho Gay e Lesbica
e Marcha de Lesbicas

Fotos: Flickr

Leiam tambem os posts abaixo sobre o movimento gay nos E.U.A. e a bandeira simbolo do movimento.









Movimento de Gays e Lésbicas: um pouco de história

Eu sempre tive muita afinidade com homens gays no Brasil e aqui eu tenho muitas amigas que são lésbicas. As minhas amigas são mulheres esclarecidas, politizadas e feministas. Eu aprendi muito com elas sobre feminismo e também sobre discriminação. E não há nada que me revolte mais quanto injustiça ou qualquer tipo de discriminação.

Um dos meus amigos mais queridos no Brasil foi violentamente assassinado dentro da própria casa em São Paulo em dezembro de 1994. Foi um “hate crime”, como eles chamam aqui, um crime motivado pelo ódio e pelo preconceito. O meu amigo virou manchete do Notícias Populares, enquanto que o criminoso nunca foi pego.

Aqui, há alguns anos, eu me dei conta do meu privilégio enquanto pessoa heterosexual quando fui convidada par ir a dois casamentos “de faz de conta.” O primeiro entre a minha amiga lésbica brasileira e um homem gay americano e o outro entre a parceira dela, americana, e o parceiro dele, mexicano. Eles tiveram que passar por toda essa farsa para que os parceiros americanos pudessem legalizar a situação de seus respectivos parceiros através do casamento. Enquanto isso eu e meu marido tivemos um casamento “de verdade.”

Nos Estados Unidos, o mês de junho é marcado por eventos e demonstrações celebrando o movimento de gays e lésbicas. Esse mês foi escolhido por marcar o aniversário da revolta de Stonewall que começou no dia 27 de junho de 1969, na cidade de Nova Iorque. Tudo começou quando a polícia deu uma batida num bar chamado Stonewall Inn, no bairro de Greenwich Village. A clientela do bar reagiu. O resultado foi uma revolta que durou três dias. A partir daí, o movimento dos direitos de gays e lésbicas ganhou notoriedade e se expandiu, transformando-se num movimento pela aceitação de gays e lésbicas, assim como pela luta por seus direitos civis.

Em 1973, a Sociedade Americana de Psiquiatria removeu a homosexualidade da sua lista oficial de doenças mentais. Wisconsin foi o primeiro estado a abolir a discriminação com base na orientação sexual.

Mais alguns dados interessantes sobre o movimento de gays, lésbicas, bi-sexuais e transsexuais (LGBT, em inglês):

2000 – Vermont se torna o primeiro estado nos Estados Unidos a reconhecer “uniões civis” entre casais do mesmo sexo, garantindo os mesmos benefícios, privilégios e responsabilidades de casais heterosexuais. No entanto, o lei não chega a definir a “união civil” como casamento, pois o Estado define o casamento somente entre um homem e uma mulher.

2004 - No dia 17 de maio, o casamento entre casais homossexuais é legalizado no estado de Massachussets.

Internacionalmente, a Dinamarca foi o primeiro país a legalizar a união entre pessoas do mesmo sexo em 1989. Em dois anos a Noruega, a Suécia, a Islândia e a França fizeram o mesmo. A Holanda foi o primeiro país a legalizar o casamento entre homossexuais, em 2001, seguida pela Bélgica em 2003 e a Espanha em 2005.
Gay Pride Flag
Bandeira do orgulho gay


Eu adoro a bandeira do movimento gay. As cores do arco-íris também são usadas para simbolizar diversidade. No mês de junho as ruas de San Francisco ficam cobertas com a bandeira arco-íris. A bandeira que simboliza o movimento de gays, lésbicas, bi-sexuais e transsexuais foi criada por Gilbert Baker em 1978 na cidade de San Francisco. Baker foi inspirado pelo movimento hippie e pelo movimento de direitos civis dos afro-americanos. Cada côr na bandeira tem um significado diferente:

Vermelho – Vida

Laranga – Cura

Amarelo – Sol

Verde – Natureza

Azul-royal – Harmonia

Violeta - Espírito

Wednesday, June 21, 2006


Summer solstice
O dia mais longo no hemisfério norte.

Together we fill our basket with multilingual dreams of distant
places, with the hope that someone else will tell the story.

Juntos nós enchemos a nossa cesta com sonhos distantes,
em línguas multíplas, na esperança de que alguém venha contar
a estória.

Juntos há 17 anos.

Fonte: O meu convite de casamento



Jovem demais para ser refugiado
Liberia

Tuesday, June 20, 2006

Dia Mundial dos Refugiados

Hoje é Dia Mundial dos Refugiados. O tema desse ano é “Esperança.” O evento foi celebrado em mais de cem países em homenagem aos aproximadamente vinte milhões de pessoas no mundo que fugiram do seu país de origem para escapar de guerras, conflitos e perseguições.

A atriz Angelina Jolie, que é embaixadora da boa vontade do Alto Comissariado da ONU para Refugiados (Acnur), gravou um apelo que foi televisionado em vários países. No clip ela diz “Eu sou Angelina Jolie. Pelas milhões de pessoas refugiadas em todo o mundo, por favor ajude a manter viva a esperança delas e lembre-se do Dia Mundial dos Refugiados.” A mensagem pode ser vista no site www.unhcr.org.

Como parte das celebrações, Antônio Guterres, enviado do Acnur viajou com um comboio de refugiados que estavam regressando à Libéria após terem vivido um tempo em Serra Leoa. Desde outubro de 2004, aproximadamente 69.000 liberianos foram repatriados com a ajuda do Acnur, incluíndo 14.000 que estavam vivendo na Serra Leoa.

Atualmente, após 14 anos de guerra civil e com a primeira mulher eleita presidente no continente africano (Ellen Johnson-Sirleaf), a Libéria está hospedando 20.000 refugiados de países vizinhos. A estória da Libéria é muito pessoal para mim porque o meu sogro era da Libéria e uma das minhas cunhadas que ainda mora lá teve de morar um tempo na Serra Leoa durante os anos da guerra civil.

No site do UNHCR você pode encontrar mais informação sobre o que está acontecendo com refugiados em várias partes do mundo, incluíndo o Timor Leste, onde milhares de pessoas foram deslocadas por causa de conflitos entre facções rivais na capital Dili.
Suicídio e violência contra a mulher


Hoje eu li um artigo na BBC News online que me deixou chocada. Segundo a Organização Mundial de Saúde, a cada quatro minutos uma mulher comite suicídio na China. É o único país no mundo onde o número de mulheres que comitem suicídio é mais alto do que o dos homens. Cada ano um milhão e meio de mulheres tenta o suicídio, das quais cento e cinquenta mil morrem.

A situação é pior no campo, onde o suicídio é três vezes mais alto do que nas cidades. Aparentemente uma das razões é a disponibilidade de veneno nessas areas. Ao mesmo tempo, num lugar onde as atitudes tradicionais ainda têm muito peso, o casamento é um fator que contribui para o alto índice de suicídio entre as mulheres.

Os casamentos são “arranjados” entre as famílias e visto como um tipo de acordo comercial, onde os pais do noivo “compram” a noiva e esta se torna parte da família dos sogros. Consequentemente, a noiva deixa a sua família e tem de lidar com toda a família do noivo. Muitas vezes essa prática a leva ao isolamento total, pricipalmente quando as coisas não vão bem entre ela e o marido. É estimado que entre 70 e 80% dos suicídios acontecem como resultado de conflito conjugal.

Numa sociedade patriarcal como a chinesa, a maioria das mulheres nessa situação nem se atreve a pedir o divórcio. Existe até um provérbio popular entre os homens que diz “casar com uma mulher é como comprar um cavalo: eu posso montar e bater quando quero.”

No momento há uma organização que tenta proporcionar grupos de apoio e informação sobre saúde mental, assim como cursos vocacionais com o intuito de educar e empoderar as mulheres.

Veja a material na íntegra, http://news.bbc.co.uk/2/hi/programmes/5086754.stm, em inglês.

Monday, June 19, 2006

Meu pai
June 18, 2006

Meu pai
Cheirava a café, cigarro e perfume barato
As mãos cheias de calos de tanto acentar tijolo,
Azulejo e vitrificado
A cabeça povoada de sonhos
De um dia ter casa própria e carro

Meu pai
Adorava fazer almoço de domingo
Nhoque, frango assado, risoto de camarão
Quando ele recebia o pagamento mensal
A primeira coisa que fazia era comprar guloseimas
Balas, queijos, mortadela, goiabada cascão

Meu pai
Embriagado, fora de si
Falando obscenidades pela noite afora
Caído na calçada
Como cão abandonado
Eu o ignoro, envergonhada

Meu pai
Ajudou a cavar os buracos do Metrô
Pedreiro, porteiro, cobrador de ônibus
Pai de jornalista
Entregador de jornais
Trabalhador incansável

Meu pai
Que nunca andou de avião
No aeroporto soltando a filha no mundo
Recebendo cartão postal e perfume francês
Finalmente, em paz consigo
Seus demônios domesticados

Meu pai
Sentado no ônibus
Tarde da noite
Voltando para casa num primeiro de abril
Como numa brincadeira de mal gosto
Seu coração parou de bater

Ele, que trabalhou toda a sua vida,
Alí, sem ter onde ser enterrado
Precisando de ajuda de parente
Saíu desse mundo como chegou
Sem tratamento especial
Ao invés de mármore, um anjo quebrado

Ninguém telefonou, ninguém me avisou
Quiseram me proteger da dor
Um amigo mexicano, de visita no Brasil,
Ficou encarregado de me dar a má noticia
Fiz um chá, “Tu papá”
“Se murío,” completei

E foi assim que
Descobri sobre a morte do meu pai
Numa terceira língua
Milhares de quilômetros
Entre eu e a minha família no Brasil
Outros milhares de quilômetros
Entre eu na Califórnia e o meu companheiro na Alemanha
Minha vida é feita de distâncias, reais e imaginárias
Mais tarde, sozinha
Um choro visceral
Como um soco no estômago
Quero telefonar, mas me lembro do fuso horário
No dia seguinte,
Levanto, vou à universidade
E faço o meu exame final.