Thursday, November 30, 2006


Morrendo de fome

A revista do New York Times publicou nesse último domingo um artigo escrito por uma mãe sobre a sua experiência lidando com a anorexia da filha de 14 anos. No artigo ela descreve que em princípio a filha começou a se interessar por culinária, planejando jantares e perguntando constantemente qual seria o cardápio para as refeições familiares. Num período de menos de três meses ela praticamente parou de comer e foi diagnosticada como anoréxica.

Harriet Brown, a autora do artigo, começou então a pesquisar sobre os tratamentos disponívies. Inicialmente, o médico havia recomendado que a menina fosse separada da família e internada numa clínica especializada em anorexia. Não só o custo era astronômico – por volta de $1000 por dia que não seria coberto pelo seguro – como também não lhe parecia a melhor solução, pois a menina estava com muito medo de ficar sozinha.

Ela então descobriu um tratamento desenvolvido na Inglaterra, mas até então desconhecido nos E.U.A.. Conhecido como método Maudsley, esse tratamento foi criado pelos terapeutas Christopher Dare e Ivan Eisler do Hospital Maudsley em Londres na década de 80 como uma alternativa à hospitalização. Segundo esse método, é o papél dos pais insistir e encontrar maneiras de alimentar as filhas com trastorno alimentar.

Trata-se de um método que vai ao contrário das terapias convencionais, as quais pregam que a dinâmica familiar é o que em parte causa a doença. Muitos terapeutas na verdade recomendam a total separação entre os pais e a pessoa sofrendo de anorexia. Ainda assim, ela e o marido decidiram tentar esse método. Embora com muita dificuldade, após um ano “re-alimentando” a filha, a menina se recuperou. Ao mesmo tempo, a autora tem plena consciência que a qualquer momento a filha pode ter uma recaída. No momento, ela está escrevendo um livro sobre anorexia.

Ela cita também outro estudo sobre as consequências da falta de alimentação num experimento controlado feito com homens jovens no qual eles comeram somente a metade do que normalmente comiam durante meses. Irritação e falta de energia foram dois dos sintomas observados entre os rapazes. Ela levanta uma questão muito interessante também que é: por que pessoas que passam fome em várias partes do mundo onde não há o que comer não se tornam anoréxicas? Segundo ela, a anorexia só acontece em meio à fartura. It is kind of twisted, isn’t it?

O artigo é muito bom. Eu recomendo para @s que conseguem acompanhar a leitura em
inglês.

Link acima ou http://www.nytimes.com/2006/11/26/magazine/26anorexia.html?_r=1&th&emc=th&oref=slogn

Friday, November 24, 2006


American as apple pie: Thanksgiving

Thanksgiving ou o Dia de Ação de Graças, um dos feriados mais importantes na cultura dos Estados Unidos, é o dia de maior tráfego aéreo do ano. É o dia no qual as famílias e os amigos se reuniem ao redor de uma mesa farta para dar graças. A história do Thanksgiving começou em 1621 quando os pelegrinos vindos da Inglaterra celebraram a colheita na colônia de Plymouth. Diz a história que 90 índios Wampanoag também participaram do jantar. Os pelegrinos deram graças à Deus e agradeceram aos índios sem a ajuda dos quais teriam morrido devido ao inverno rigoroso. As comidas tradicionais desse dia incluem peru, purê de batatas, stuffing (recheio feito de pão e hervas), verduras, batata doce, cranberry sauce (molho feito de uma frutinha vermelha) e torta de abóbora. O Thanksgiving é comemorado na última quinta-feira do mês de novembro.

Eu nunca faço o jantar tradicional. Geralmente jantamos com uma amiga alemã e fazemos salmão ou algo com camarão. Mas nesse ano como íamos comemorar só com a nossa família, eu decidi fazer algo um pouco mais parecido com o tradicional. Afinal, meus filhos estão sendo criados aqui e às vezes sentem vontade de fazer parte dessa experiência coletiva. É muito comum entre comunidades de imigrantes que o menu misture pratos tradicionais do Thanksgiving com comidas do país de origem. Assim sendo, muitos brasileiros acabam comendo peru com farofa (ao invés do stuffing), mexicanos adicionam um posole (um tipo de sopa), indianos um pouco de curry e por aí vai.

Não fiz farofa. Fiz o stuffing, purê de batatas, vagem com amêndoas, cranberry sauce com laranja. O frango (o peru era grande demais) e a torta de abóbora eu comprei prontos porque não tenho muita vocação para Marta Stewart.

I am thankful for/eu dou graças pela minha família presente e distante, pelos meus filhos e meu marido, por estar viva e saudável, pelos meus amigos reais e virtuais, pela beleza do lugar onde moro, por tudo que eu já vivi, por todos os lugares por onde andei, por tudo que os meus olhos já viram e por tudo que ainda há de vir.

Tuesday, November 21, 2006


Viva Zumbi dos Palmares

Nesse país muita gente ainda acredita no american dream, que se alguém não se dá bem na vida é porque essa pessoa não batalhou o suficiente. Raramente a injustiça social é vista como um fruto da desigualdade entre as classes. Os problemas sociais são geralmente atribuídos às questões de raça. Acabei de ler um artigo no New York Times falando da discrepância no desempenho escolar entre crianças brancas e crianças negras e latinas. Mas em nenhum momento, o artigo fala sobre a intersecção entre raça e classe social. É verdade que existe afro-americanos e latinos de classe média, mas as pessoas morando nos guetos das grandes cidades são em sua grande maioria negros e latinos. Em contrapartida, nos subúrbios onde as escolas públicas são imaculadas e tão boas como as escolas particulares e os moradores tem um nível de educação mais alto e, consequentemente, maior poder aquisitivo, o número de pessoas latinas e afro-americanas que ali moram é baixíssimo.

No Brasil, por outro lado, ainda existe gente que acredita no mito da democracia racial. É óbvio que o racismo existe no Brasil. Ele está em toda parte: nas novelas, nas famílias, nas “entradas de serviço,” nas piadinhas e comentários racistas, na exclusão de afro-brasileiros na política, nas universidades e nas posições de poder. Mas eu acredito que racismo e classismo são interconectados. Na minha opinião não há como lidar com um tipo de opressão sem questionar o outro. Acredito que medidas como a adoção do sistema de cotas pode ser beneficial até um certo ponto mas não muda os problemas estruturais de uma das sociedades mais desiguais do mundo.

O reconhecimento de que a sociedade brasileira é uma sociedade racista é sem dúvida um primeiro passo, mas também é necessário reconhecer que a sociedade brasileira é classista. É necessário reconhecer que muitas das pessoas que conseguem entrar nas universidades gratuitas e de prestígio como a USP tiveram a oportunidade de estudar nos melhores colégios particulares de São Paulo.

Voltando ao exemplo do New York Times de hoje, não é o suficiente ter professores bem treinados, ter computadores nas escolas, exigir rigor nos testes se tem alunos que não tem o que comer em casa, se tem alunos que vivem em bairros cheios de traficantes e gangues, se tem alunos cujos pais estão na cadeia ou outros que já viram a morte de perto.

Tanto aqui quanto no Brasil, a segregação é brutal. A miséria é prima-irmã do racismo. Eu moro num bairro arborizado de classe média (artistas, professores universitários, advogados, etc.) onde a maioria é branca, com alguns outros gatos pingados como a minha família. O meu marido aluga um estúdio para o trabalho dele numa área há quinze minutos de onde moramos. Lá não há um supermercado por perto, somente botecos. Em contraste, no meu bairro tenho a opção entre dois supermercados diferentes sem contar a mercearia da esquina e uma padaria que também vende queijos. A cena nesse outro bairro é deprimente: prostituição, tráfico de drogas, há de tudo. Mas dá para contar nos dedos de uma mão quantas pessoas brancas você vê por lá. Somente alguns artistas ou yuppies que estão mudando para os condomínios novos que estão sendo constuídos nas áreas mais desoladas da cidade. Mas isso já é outra história.


Outros posts excelentes escritos por:

Denise do Sindrome de Estocolmo

Ana Lucia do A(n)anima

Sunday, November 19, 2006


Insomnie

É uma hora da manhã. Fui até a rua pegar o cd player no carro. Fiquei parada no meio da rua de pijama, apreciando o ar puro (ainda com cheiro de flor, apesar do outono), o céu estrelado, as janelas dos carros cobertas de sereno e o silêncio. These are things that I take for granted. Coisas que no dia-a-dia me passam despercebidas, como por exemplo sair na rua à uma da manhã sem mêdo de ser assaltada.

Uma da primeiras coisas que eu noto ao chegar em São Paulo é a diferença na qualidade do ar. É incrível como a gente se acostuma com tudo. Eu fui criada em São Paulo e, portanto, a poluição sempre fez parte da minha realidade. Durante toda a minha infância e adolescência eu sofri de bronquite asmática. De duas em duas semanas eu ia parar no pronto socorro para fazer inalação e tomar adrenalina.

Eu adoro o silêncio da noite. Por aqui nem os cachorros latem de noite. Eu me lembro que isso também era diferente no Brasil. Quando um cachorro começava a latir logo a cachorrada toda começava a latir também. Às vezes eu chegava da balada tarde da noite fazendo o maior esforço para não fazer ruído até que o cachorro da minha vizinha me denunciava.

Quando eu tinha uns onze anos eu descobri um show na rádio Jovem Pan chamado Show da Madrugada patrocinado pelo Ceasa, o mercadão atacadista de São Paulo. Eu ficava até altas horas da noite ouvindo música no meu radinho de pilha. Eles tocavam soul music, R&B e um pouco de MPB. A música era a minha única companhia na noite escura.

Hoje em dia, eu gosto de ouvir música com headphones enquanto estou escrevendo tarde da noite. Mon imagination me torture j’peux pas dormir… Insomnie.

A minha trilha sonora de hoje:

Les Nubians – CD One Step Forward

J'veux d'la musique

My Rhapsody Playlist

Insomnie

My Rhapsody Playlist

Thursday, November 16, 2006


MARIZA

Acabo de ouvir esse poema maravilhoso na voz da cantora portuguesa Mariza.
Há palavras que nos beijam
Alexandre O’Neill/ Mário Pacheco

Há palavras que nos beijam
Como se tivessem boca.
Palavras de amor, de esperança,
De imenso amor, de esperança louca.
Palavras nuas que beijas
Quando a noite perde o rosto;
Palavras que se recusam
Aos muros do teu desgosto.
De repente coloridas
Entre palavras sem cor,
Esperadas inesperadas
Como a poesia ou o amor.
(O nome de quem se ama
Letra a letra revelado
No mármore distraído
No papel abandonado)
Palavras que nos transportam
Aonde a noite é mais forte,
Ao silêncio dos amantes
Abraçados contra a morte.

Transparente by Mariza

Wednesday, November 15, 2006

cinematic orchestra - all that you give

Cinematic Orchestra

Essa tem sido uma das minhas bandas favoritas ultimamente. O grupo é da Inglaterra e nesse vídeo conta com a participação da cantora americana Fontella Bass. Fontella Bass, nascida em Saint Louis, no estado do Missouri, tem uma voz belíssima e profunda, típica de gospel.

Monday, November 13, 2006


Sankt Martin

Laterne Laterne

Laterne, Laterne

Sonne, Mond und Sterne,

brenne auf mein Licht,

brenne auf mein Licht,

aber nur meine liebe Laterne nicht.

Lanterna, lanterna

Sol, lua e estrêla

Que essa luz se incendeie,

Que essa luz se incendeie,

Mas que a minha querida lanterna não queime

Uma das coisas que eu mais aprecio nos meus filhos é a facilidade com a qual eles “movem” de uma cultura para outra. No sábado nós fomos a uma festa na casa dos pais de um menino da classe da Naima. O pai dele é de Porto Rico e a mãe é africana-americana. Ela brincou que a festa era uma “people of color party” porque não havia nehuma pessoa branca. Uma das coisas que ela preparou foi peixe-gato frito à moda da Louisiana. Uma delícia!

De lá fomos comemorar o Dia de São Martim com o “grupo de alemão.” Fazemos parte desse grupo desde que o meu filho mais velho tinha pouco mais de uma ano de idade. Nós nos encontramos uma vez por semana e as crianças fazem aula de alemão. É graças ao convívio com essas mães que agora eu consigo entender razoavelmente bem o alemão e até falar um pouco.

Para celebrar a festa de São Martim as crianças fazem lanternas de papél e colocam uma vela dentro. Na noite do dia 11 de novembro as crianças caminham com as lanternas acesas cantando cantigas em honra ao santo e outras sobre o sol, a lua e as estrêlas. É uma forma também de trazer um pouco de luz para as noites frias e longas do inverno.

Segundo a lenda, São Martim era um soldado no século IV. Numa noite de inverno, enquanto passando por um vilarejo, ele avistou um mendigo que estava prestes a morrer de frio. Sem pensar duas vezes, ele passou a mão na sua capa e com um golpe de espada a repartiu em dois pedaços. Ele ficou com a metade e deu a outra metade para o mendigo. Além das lanternas bonitas e da luz, a mensagem principal dessa tradição é compartilhar o que se tem com aqueles que necessitam.

Todos os anos nós nos reunimos em um parque, caminhamos com as crianças cantando e no final uma pessoa conta a história de São Martim (ou às vezes as crianças encenam) e por último cada criança escolhe um companheir@ com quem vai compartilhar um biscoito ou um pretzel. E por fim, fazemos um piquenique sob o luar com vinho quente (estilo alemão com ervas e um pouco de suco de laranja) e comemos lebkuchen (um biscoito redondo de gengibre com cobertura de açúcar ou chocolate, yum), pretzel, frios e frutas. Eu gosto de comemorar essas tradições em grupo porque as crianças se sentem como parte daquela cultura. Eu gostaria de descobrir mais tradições do lado liberiano do avô paterno dos meus filhos. Nós também celebramos o dia da criança no lado brasileiro. Os meus filhos falam que uma das coisas que eles gostam em fazer parte de tantas culturas é que sempre tem alguma festa!

PS: Todas essas lanternas na foto foram feitas pelos meus filhos no decorrer dos anos.








Friday, November 10, 2006

Dia de los Muertos

O ritual do Dia de los Muertos já era praticado no México pelos Aztecas por pelo menos três mil anos quando os espanhóis lá chegaram há quinhentos anos. Os espanhóis ficaram chocados com esse ritual que parecia zombzar da morte e tentaram de todas as formas erradicá-lo. Eu adoro o caráter alegre, festivo e quase debochado dessa tradição.

O Dia de los Muertos é praticado no México, na América Central e em partes dos Estados Unidos. Durante todo o mês de novembro há procissões, festivais de rua, altares e instalações em museus em várias partes da Califórnia. No domingo último houve uma festa em Fruitvale, o bairro latino de Oakland, com vários palcos na rua, barraquinhas com comida e altares que mais pareciam instalações de arte popular. Oakland fica ao lado de Berkeley, do outro lado de San Francisco e da ponte Bay Bridge. Há também exposições acontecendo no Oakland Museum e no Mission Cultural Center em San Francisco.

Em algumas áreas do México as pessoas passam o dia no cemitério. Elas enfeitam o túmulo com flores amarelas (marigold), levam comidas e bebidas e fazem um piquenique com a família. Em outros lugares do México e aqui nos Estados Unidos as pessoas costumam fazer altares em suas casas em homenagem aos falecidos. O altar é decorado com fotos dos que já partiram, velas, flores, comidas, caveiras e caixões feito de açúcar, esqueletos em posições cotidianas (andando de bicicleta, vestidos de noivos, tocando instrumentos) e papél picado (bandeirolas feitas de papel de seda com desenhos perfurados).

Os Aztecas e outras civilizações pré-colombianas usavam o crânio como um troféu a ser mostrado durante o ritual. As caveiras eram utilizadas tanto para simbolizar a morte como também o renascimento. Elas eram usadas para homenagear os mortos os quais, segundo a crença Azteca, voltavam para visitar os vivos durante esse mês.

Ao contrário dos espanhóis que acreditavam que a morte era o fim da vida, os nativos acreditavam na morte como uma continuação da vida. Eles acreditavam que a vida era como um sonho e só na morte estavam realmente despertos. Portanto, ao invés de temer a morte eles a aceitavam plenamente.

Os espanhóis fizeram o que puderam para destruir essa tradição pois a consideravam pagã e barbára. Mas ainda assim ela perdurou. Então, numa tentativa de torná-la mais cristã, os espanhóis mudaram a data do festival de agosto para novembro para coincidir com o Dia de todos os Santos. Incialmente, o festival era presidido pela deusa Mictecacihuatl, também conhecida como a deusa da morte. Diz a lenda que ela morreu ao nascer.

Hoje em dia, os altares comunitários adquirem um caráter politico. Um dos altares que eu visitei em Oakland, o do artista Daniel Camacho, era como uma instalação com esqueletos feitos de papier machê com dizeres sobre a recente violência em Oaxaca, México, e sobre a violência das gangs nas ruas de Oakland. Já o artista Otávio Paz fez uma homenagem à sua irmã que morreu aos 31 anos vítima de drogas e violência doméstica. A exposição no Mission Cultural Center em San Francisco também lida com a morte de jovens vítimas da violência urbana.

Fotos: tiradas por mim. Para ampliá-las basta clicar.

Não deixem de dar uma olhadinha na história da Chapel of Chimes aí embaixo. :-)

Thursday, November 09, 2006


Chapel of Chimes


De vez em quando eu gosto de fazer alguma coisa que normalmente eu não faria. Na semana passada, antes do Halloween, houve um evento numa capela em Oakland com um altar para celebrar o Dia de Los Muertos e para ensinar as crianças a fazer flores de papél para decorar o altar. A Chapel of Chimes ou Capela dos Sininhos em Oakland foi fundada em 1909 e depois reconstruída e ampliada pela arquiteta Júlia Morgan no final dos anos 20.

Oakland fica ao lado de Berkeley. Eu moro nessa área há muito tempo e nunca tinha visitado esse lugar. Júlia Morgan é uma arquiteta super famosa por aqui. Ela nasceu em San Francisco em 1872 e foi a primeira mulher a se formar em engenharia pela UC Berkeley em 1894. Em 1896, aconselhada pelo seu mentor Bernard Maybeck, Júlia foi para Paris para estudar na Ecole de Beaux-Arts. Levou dois anos para que a escola permitisse que ela se matriculasse porque a diretoria nunca havia concebido a possibilidade de uma mulher estudar ali. Ela então entrou em várias competições de arquitetura na Europa e ganhou quase todas forçando a escola a aceitá-la.

Essa capela também abriga um columbário e um mausoléu. O columbário, palavra que vem do latim e significa casa das pombas, é um recinto fechado por vidros, com nichos onde são abrigadas as caixas (em vários formatos) com as cinzas. O mausoléu abriga as criptas com os restos mortais daqueles cujas famílias decidem enterrá-los em um recinto fechado.

Para a minha surpresa o lugar não me inspirou mêdo ou nenhuma sensação estranha. Por ter um valor histórico, a capela é quase como um museu. Há uma guia que explica a história do lugar que, na verdade, é muito sereno e cheio de arcos que me lembraram a arquitetura moura com fontes e mini-jardins. Os meus filhos se divertiram indo de um comôdo para o outro, como em um labirinto. O lugar é enorme. Num determinado momento, eu me perdi deles. Finalmente, eu os encontrei e o meu filho calmamente me guiou até a saída. Eu voltei sozinha naquela noite para ouvir estórias de assombração na capela celebrando o Halloween que estava para chegar. Acho que começo a fazer as pazes com a morte ou pelo menos com os mortos.















Wednesday, November 08, 2006


A abóbora pagã

O Halloween já passou mas achei que seria interessante falar um pouco das origens dessa tradição que muitos só associam aos Estados Unidos. Na verdade, essa é uma tradição de origem pagã que começou na Europa há muito tempo e é uma combinação de celebrações praticadas por Celtas e Romanos. Os Celtas viveram há mais de 2.500 anos na Europa cobrindo uma área que ia desde a Irlanda até partes da Turquia. O dia 31 de outubro era o último dia do calendário Celta e era também o início do Samhain, o outono no hemisfério norte. Nessa noite os Celtas festejavam o ano novo e o final do verão. Eles acreditavam que nessa noite os espíritos dos parentes mortos retornavam para visitar suas casas, mas que outros espíritos travessos também vagavam pelos vilarejos pregando peças.

Para assustar esses espíritos os Celtas apagavam as lareiras nas casas para que estas parececem frias e desertas e faziam uma fogueira no centro da vila. Eles se vestiam em fantasias apavorantes, usavam máscaras e saíam pelas ruas fazendo ruído para tentar tapear as assombrações. Assim eles celebraram por quinhentos anos até que foram derrotados pelos romanos. Os romanos tentaram misturar as tradições celtas com as romanas. Os romanos já tinham uma tradição parecida em outubro em honra da deusa Pomona, que era a deusa dos pomares. Nesse dia, os romanos se presenteavam com fruitas, especialmente maçãs e nozes.

Quando o cristianismo passou a vigorar na Europa, os cristãos tentaram em vão fazer com que os celtas parassem de praticar as suas tradições. Os cristãos celebravam santos. Então, numa tentativa de transformar as celebrações do ano novo celta em algo mais cristão, os cristãos decidiram honrar os santos que ainda não tinham uma data específica. O feriado foi primeiro chamado “All Hallow’s Day” (Hallow significa holy, sagrado) e por último “All Saints’ Day” ou Dia de Todos os Santos. A véspera ficou conhecida comoAll Hallow’s Eve, “ que com o tempo foi abreviada para Hallow E’en e depois para Halloween.

A tradição de usar a abóbora como lanterna veio da Irlanda. Os irlandeses removiam as sementes de dentro da abóbora, faziam buracos na forma de uma careta e colocavam uma vela dentro para espantar os espíritos ruins. As abóboras são chamadas de Jack’ó-lantern. Diz a lenda que um homem irlandês chamado Jack pregou muitas peças no diabo. Quando Jack morreu ele não pode ir para o céu, mas o diabo tampouco lhe queria porque havia sofrido nas mãos dele. Ele então foi contenado a vagar pelo mundo carregando uma lanterna para iluminar o seu caminho.

Fonte: A true book – Halloween de Dana Meachen Rau.

Foto: Google Images

Thursday, November 02, 2006


Finados

Quando eu era menina eu tinha horror à cemitérios. Portanto, nunca gostei do dia de finados. Todo ano minha mãe e eu íamos ao cemitério visitar o túmulo de uma tia querida da minha mãe que morreu atropelada antes do meu nascimento. Pegavámos o ônibus para o Imirim e descíamos no ponto do Cemitério Chora Menino. Primeiro parávamos na floricultura para comprar flores e velas. Por muito tempo associei flores como copo-de-leite, crisântemos, dálias e lírios à minha memória de finados. Eu me referia a elas como flores de cemitério. O mesmo com cheiro de velas.

O tempo era cinzento como se as nuvens também estivessem carregadas de uma tristeza infinda. Eu segurava firme a mão de minha mãe enquanto caminhávamos pelos labirintos de cruzes, guarda-chuvas, anjos, santos, pessoas rezando, túmulos cinzentos de concreto com mato crescendo, outros com flores de plástico e velas derretendo e mais uns tantos de mármore, última morada das famílias mais endinheiradas. Se não estava garoando o chão ainda estava molhado e o sol se recusava a sair. Quando passávamos pelas gavetas pequeninas onde se guardam os ossos eu sempre gostava de ler os nomes e ler as datas de nascimento e morte tentando adivinhar quantos anos a pessoa tinha quando morreu. Ainda hoje faço isso quando vejo uma lápide. Gostava também de ver as fotos antigas e desbotadas naqueles porta-retratos miúdos. Era interessante imaginar que tipo de vida tiveram essas pessoas e como morreram.

O túmulo onde estava enterrada a minha tia era também compartilhado por outros membros da família como uma casa subterrânea. Um dia meu pai também se juntou a eles como um parente recém chegado a uma cidade que não tem onde ficar porque não pode pagar pelo seu próprio terreno. Na última vez que estive no Chora Menino, que por sinal é um nome bem apropriado para um cemitério, foi para ver onde o meu pai estava enterrado. Eu não estava no Brasil quando ele faleceu e por isso não participei do enterro. Não havia nada decorando o seu túmulo, nem uma lápide com o seu nome, somente um anjo com uma asa quebrada.

Morando aqui eu descobri uma nova maneira de celebrar os mortos. Trata-se do Dia de los Muertos, a maneira mexicana de fazer as pazes com a morte. Falarei mais sobre isso e sobre as origens do Halloween nos próximos posts.

Foto: Flickr/Amethist


Wednesday, November 01, 2006


Levamos as crianças para fazer trick or treat numa rua em Berkeley onde quase todas as casas são decoradas de maneira super criativa para o Halloween. A rua fica lotada de gente de toda a idade. Para quem não sabe “trick or treat?” é o que as crianças falam quando batem na porta de uma casa para pedir doces. Trick or treat basicamente significa ou você me dá um doce ou eu te prego uma peça. As crianças sabem quais as casas estão participando da brincadeira porque as pessoas deixam o Jack o’lantern (a abóbora) com a vela acesa. Um ano eu deixei as abóboras com as velas mas não deixei nenhum doce pra fora. Quando cheguei em casa alguém tinha espirrado um tipo de confete grudento na minha varanda. Aprendi a lição.