Na semana passada eu vi um filme indiano que me tocou profundamente: Water. O filme lida com a situação das viúvas na Índia, com o poder da religião e tradição, e com os eventos históricos do movimento anti-colonialista e pacifista de Mahtma Ghandi. Denise Arcoverde do Síndrome de Estocolmo, http://www.sindromedeestocolmo.com/, escreveu um post excelente sobre o filme.
No filme, uma menina de oito anos é rejeitada pela própria família e é condenada a passar o resto da vida numa “casa de viúvas” após a morte do marido, que já era velho na época do casamento arranjado pelos pais. Eu chorei pensando na minha filha que tem quase a mesma idade, na inocência roubada dessas meninas, na vida roubada dessas mulheres que vivem como já estivessem mortas.
Pensei também no perigo dos dogmas, do fanatismo religioso e na conexão entre religião, política e fatores econômicos. Em determinado momento, uma das viúvas pergunta a si mesma e ao jovem idealista discípulo de Ghandi, o por quê das viúvas terem de viver esse tipo de vida. Ele responde que a razão é puramente econômica para as famílias que rejeitam as viúvas: uma boca a menos para comer, um sari a menos para comprar, uma cama vaga, e assim vai. Mas isso tudo é inserido de tal forma na religião que ninguém contesta e mesmo as próprias mulheres se sentem na obrigação de seguir a tradição.
Em outro momento, a mesma viúvia indaga ao seu guru: “o que fazer quando a sua consciência vai contra a sua religião?” O filme lida também com o dilemma da condição humana, de como as mulheres internalizam a sua própria opressão e assim perpetuam a sua situção. Uma das mulheres, a única permitida a usar o cabelo longo, é prostituída pela líder da casa. Ao mesmo que é ela que sustenta a casa, as outras a rejeitam por não ser casta, embora esta não tenha sido a sua escolha.
O que eu achei interessante também foi a história de como o filme foi feito. Water ia ser filmado inicialmente na cidade de Benares, na Índia, mas teve de ser interrompido quando 2000 fundamentalistas hindus invadiram o local de filmagem e atearam fogo no cenários. A diretora Deepa Mehta e as atrizes Shabana Azmi e Nandita Das foram ameaçadas de morte e o projeto ficou engavetado por cinco anos. Os responsáveis pelo atentado foram os membros do Shiv Sena, um dos grupos fundamentalistas hindus de direita mais poderosos. O mesmo grupo estava involvido nos ataques a muçulmanos em 1992, no qual 1.200 pessoas morreram na cidade de Bombay.
Após cinco anos Deepa Mehta retomou a filmagem, mas desta vez em Sri Lanka. A menina de oito que faz um dos papéis principais veio de um vilarejo e não falava nem hindi nem inglês. Ela teve de aprender todas as falas foneticamente. O filme também reconectou Deepa Mehta com a sua filha, cuja relação havia sido abalada por um divórcio litigioso. A filha, Devyani Saltzman, que foi encarregada de fotografar e documentar a filmagem escreveu um livro descrevendo esse processo. Water foi banido na Índia.
Enfim, o filme é intenso, lírico, belíssimo. Se tiver a oportunidade não perca.