Friday, March 30, 2007


200 anos

Este mês a Inglaterra está celebrando os 200 anos da proibição do comércio de escravos pelo Império Britânico. Acredita-se que esse evento foi o ponto de partida para a abolição da escravidão em todo o mundo.

Numa entrevista à BBC Brasil, a ministra Matilde Ribeiro, titular da Secretaria Especial de Política da Promoção da Igualdade Racial (Seppir), afirmou que considera natural a discriminação dos negros contra os brancos. Segundo ela, “quem foi açoitado a vida inteira não tem obrigação nenhuma de gostar de quem o açoitou.” O comentário da ministra gerou muita polêmica e provocou uma forte reação porque vai contra à noção de que no Brasil negros e brancos convivem harmoniosamente. Segundo o antropólogo João Batista Borges Pereira, professor de Antropologia da Universidade de São Paulo e o Mackienzie, em entrevista à BBC, mesmo dentro do movimento negro existe um discurso cauteloso que não expressa “uma retórica racista de agressão ao branco.”

A declaração da ministra foi em resposta a seguinte pergunta:

BBC Brasil - E no Brasil tem racismo também de negro contra branco, como nos Estados Unidos?

Matilde Ribeiro - Eu acho natural que tenha. Mas não é na mesma dimensão que nos Estados Unidos. Não é racismo quando um negro se insurge contra um branco. Racismo é quando uma maioria econômica, política ou numérica coíbe ou veta direitos de outros. A reação de um negro de não querer conviver com um branco, ou não gostar de um branco, eu acho uma reação natural, embora eu não esteja incitando isso. Não acho que seja uma coisa boa. Mas é natural que aconteça, porque quem foi açoitado a vida inteira não tem obrigação de gostar de quem o açoitou.

Concordo com a definição de racismo proposta pela ministra no que diz respeito ao racismo institucionalizado. Na minha opinião, o racismo a nível institucional e o racismo a nível das relações inter-pessoais são duas coisas distintas, embora uma não exclua a outra. Eu diria que é compreensível que devido à discriminação que as comunidades negras têm sofrido no Brasil, alguns negros não queiram se associar com brancos. Mas isso não quer dizer que esse tipo de reação é “natural,” pois dizer que é natural é uma maneira de justificar esse comportamento.

Esse tipo de comentário, na minha opinião, é perigoso. Isso me lembra muito a retória que eu ouço em certos círculos aqui nos Estados Unidos. Eu não acho uma boa idéia “importar” a ideologia do movimento negro americano e transplantá-la para o Brasil sem se levar em conta as diferenças sociais e históricas entre os dois paises.

Esse comentário da ministra me lembrou de uma conferência que eu participei sobre racismo e educação. A pessoa que estava conduzindo uma oficina sobre racismo disse exatamente o que a ministra falou acima, ou seja, racismo somente ocorre quando uma maioria econômica, política ou númerica limita os direitos de outros grupos. Na opinião dele, se uma pessoa de um grupo oprimido insulta membros de um outro grupo, oprimido ou não, isso não é racismo, é puro preconceito.

Uma vez eu estava em um café com os meus filhos, quando um homem chegou perto da nossa mesa e disse: you, f*** Mexicans.” Uma outra vez, eu estava dirigindo, quando um carro atravessou o sinal na minha frente quase causando um acidente. O motorista saiu do carro e gritou: “You, f*** immigrant.” As pessoas envolvidas nesses incidentes eram afro-americanas.

No primeiro incidente, eu fiz questão absoluta de frisar para os meus filhos que aquela pessoa tinha problemas e que aquele tipo de reação não tinha nada a ver com a cor da pele dele. Era óbvio que se tratava de algúem com problemas sérios, talvez até homeless. Foi muito importante fazer essa distinção e atribuir aquela remarca infeliz somente a quem a proferiu ao invés de extendê-la a outros membros daquele grupo, o que geralmente acaba acontecendo nesse tipo de situação. É esse tipo de cenário que continua alimentando o racismo. Eu vejo o racismo aqui entre todos os grupos, não só por parte de brancos contra os negros. O racismo também está presente entre latinos contra os negros e vice-versa, brasileiros contra latinos e negros, negros contra brancos, asiáticos e latinos, e por aí vai.

Mas de acordo com o palestrante, isso não foi racismo porque essas pessoas não tinham nenhum poder sobre a minha vida, como no caso de instituições ou empresas que limitam as oportunidades das minorias. Para mim, isso é racismo, sim. Agora, é claro que existe uma diferença entre o racismo institucionalizado e as expressões racistas que acontecem todos os dias entre todos os grupos. O perigo desse tipo de definição é que ela perpetua uma cultura de divisão, de nós contra eles, de vítimas e algozes. Usar uma outra palavra para descrever o que eu experenciei é de certa forma minimizar e absolver o comportamento das pessoas envolvidas porque afinal, elas faziam parte de um grupo que tem sido historicamente marginalizado. Essa linha de raciocínio gera por um lado uma cultura de vitimização entre os grupos oprimidos e por outro, no caso dos brancos aqui nos Estados Unidos, uma culpa paralizante. Insultos preconceituosos e racistas ou qualquer tipo de discriminação nunca devem ser tolerados venham de onde vir. A história de opressão de um grupo não pode ser usada para justificar esse tipo de atitude. Eu acho que a transformação só pode começar a partir de um diálogo franco que busque ir além do tom acusatório e em que ambas as partes assumam a sua parcela de responsabilidade.

Para ler as matérias na íntegra visitem os links abaixo:

Não é racismo se insurgir contra o branco, diz ministra
Polêmica racial desmascara ilusão de harmonia, diz antropólogo.
Escravidão - especial

BBC Forum


4 Comments:

Anonymous Anonymous said...

muito legal o seu post.É preciso falar, escrever sobre isto para apontar que isto é realidade. Daí levar a consciêntização e o reconhecimento que o problema existe.Refletir sobre.

10:02 AM  
Blogger Regina said...

Infelizmente, nao sei o seu nome. Obrigada. Realmente, esse e' um assunto que necessita ser debatido.

Bj

Regina

1:18 AM  
Blogger oakleyses said...

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Blogger oakleyses said...

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